“Só sei que nada sei.” – Sobre paradoxos e confusões de linguagem

João Maria de Lima

“Porque qualquer que a si mesmo, se exaltar, será humilhado; e aquele que a si mesmo se humilhar, será exaltado.” Lc 14,11

A antiga frase baseada na filosofia socrática “Só sei que nada sei” também é conhecida por sua versão em latim “Ipse se nihil scire id unum sciat”. Claro que, por meio desse paradoxo, nega-se categoricamente o posto de professor ou grande sabedor de qualquer conhecimento. A lógica é simples: ao afirmar que nada sabe, ratifica o fato de que também nada tem para ensinar.                                                                                            Frases paradoxais são comuns no dia a dia, tanto na fala como na escrita. A maioria delas, diferentemente da célebre atribuída a Sócrates, atua como contrainformação a desserviço das comunicações, conforme exemplos a seguir.              “Acho que tenho certeza.” Ou tem certeza, ou não tem. Se acha, não tem certeza. Aliás, os “achistas” vivem procurando, mas nunca acham.                                                 “Ladrões roubaram a loja.” Houve um assalto a uma loja conhecida na cidade. Haviam roubado dinheiro, mas o prédio continuava intacto, no mesmo lugar. Nesse caso, é melhor corrigir a frase: Ladrões roubaram da loja.                                      “Remédio para dor de cabeça.” Era só o que nos faltava, mas foi o que o cliente solicitou ao vendedor da farmácia. Antes que a cefaleia pegue, vamos corrigir: Remédio contra dor de cabeça.                                                                                                “Velocidade controlada por radar.” Este aviso, visto às margens de nossas rodovias, está à margem, também, da boa linguagem. É importante começar a análise pelo uso da preposição “por”, que, unida à primeira sílaba da palavra “radar”, transforma-se em inconveniente cacofonia: “porra”. Depois, é preciso observar que nenhum radar tem o poder de controlar a velocidade, prerrogativa exclusiva dos motoristas. No máximo, esse instrumento auxilia na fiscalização: Velocidade fiscalizada com radar.             “Correr atrás do prejuízo.” Os locutores esportivos não se cansam de dizer que há interesse em ampliar o prejuízo. Quem corre atrás de prejuízo distancia-se da vitória. Parece mais lógico correr em busca de recuperação, correr atrás da vitória.       “Dinheiro para o coronavírus.” Que o vírus causador da Covid-19 é forte, já se sabe. Agora beneficiá-lo, dando dinheiro? Claro que a intenção era dizer “Dinheiro para combater o coronavírus”. Uma dica: tratando-se de clareza, menos intenção e mais concretização.                                                                                                                       “Veio preencher uma lacuna que faltava em nossas vidas.” Nunca se orgulhe se você preencher uma lacuna que falta, pois, além de ter se tornado um chavão, lacuna que falta é lacuna que não existe.                                                                                         “Faço questão de prestigiar a solenidade.” Falta modéstia a quem diz isso, uma vez que ninguém deve atribuir a si próprio a condição de dar prestígio a alguém ou a algum ato. A humildade é amiga da elegância: Faço questão de participar da solenidade.            “Ultrapasse sempre pela esquerda.” Para que o motorista não pense estar obrigado a ultrapassar sempre, que tal mudar: Ultrapasse somente pela esquerda.                         O Barão de Itararé (falso título de nobreza de Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly) dizia que o português é uma língua difícil porque “calça é uma coisa que se bota e bota é uma coisa que se calça”. Trata-se de interessante e gracioso trocadilho, como tantas outras frases desse jornalista, escritor e pioneiro no humorismo político brasileiro. E por falar em político, recentemente, um vereador caruaruense virou piada ao lamentar a morte de um amigo: “Foi dormir e, quando acordou, estava morto”.                                   E, assim, vamos nos divertindo – ou sofrendo – com alguns exemplos de uso da língua, afinal, outra do Barão: “O que se leva desta vida é a vida que a gente leva”.

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